A história que não ouvi

Foto autoral. Vidas Negras Importam / janeiro, 2022.

Meu avô era negro e casado com a minha vó, branca de família portuguesa. Desde que ele faleceu, em outubro de 2020, algo tocou tão forte em mim: eu percebi que só conheço o lado português da minha história. A única coisa que sei é que a mãe dele era uma índia linda, minha vó conta.

Mas meu avô era bem forte, com cabelo crespo, provavelmente puxou ao pai. Começo a viajar nos livros, filmes, séries e imagino que os antepassados do meu avô – e meus – foram escravos vindos do continente africano. Hoje percebo que meu avô quase não tinha voz. Eu nunca ouvi a história dele, eu perdi isso.

Agradeço pelo meu avô ter vivido até os 83 anos. Isso é um acontecimento tão raro no Brasil. Um país tão maravilhoso pela sua diversidade e tão racista. Um racismo tão enraizado que muitos querem fingir não ver. Negros e negras ainda lutam para ocupar espaços nas empresas, na política, nas instituições públicas, nas universidades.

Elas e eles ainda lutam para não tirarem suas vidas. Eu nem imagino como deve ser ser seguido dentro de um supermercado ou de uma farmácia. Nem imagino como deve ser ser abordado andando pela rua depois de ter comprado um pão. Eu não faço ideia.

Mas meu avô deveria saber tudo isso. E eu nunca perguntei a ele. A Kathlen Romeu também não pode mais contar a história dela. Tiraram a sua vida em uma comunidade do Rio. Uma mulher negra de 24 anos que estava grávida. Moïse Mugenyi, congolês de também 24 anos, foi violentado até a morte na Barra da Tijuca porque cobrou o salário que o patrão não pagou. Minhas palavras terminam e choro. Até quando?

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